Jesus ressuscitado, companheiro do caminho


Todo mundo conhece a história dos dois discípulos que caminham com Jesus sem reconhece-lo (Lc 24, 13-35). Dois discípulos a caminho de casa... Tristeza no peito e incompreensão na mente. Nada parecia fazer sentido. Estava tudo tão bom, mas de repente as coisas tomaram outro rumo... alguém se põe entre eles, conversa e caminha junto, faz companhia. Escuta e pergunta. Esclarece, tira dúvidas. Depois de conversarem muito, finge que vai adiante, mas é convidado a ficar. O forasteiro se põe à mesa e faz tudo o que o Mestre havia feito na última ceia pascal. Mas quando ele parte o pão, os discípulos reconhecem o peregrino que andava com eles: era Jesus! Estava com eles o tempo todo! O mesmo que tinha sido torturado e morto na cruz, agora está vivo! A história não havia acabado naquele túmulo. A morte dele agora tem sentido: o sentido da entrega, da doação de si mesmo pela causa do Reino. O partir do pão os faz lembrar disso: partilhar a vida não é o fim, mas começo de tudo! Por isso, eles voltam para a comunidade e anunciam que Jesus está vivo.

Companhia: pão partilhado

O companheiro do caminho havia feito os discípulos (de ontem e de hoje) verem coisa. E quando falamos em companheiro, logo pensamos em alguém que está junto. E está certo: Jesus é o companheiro do nosso caminho, da nossa vida. A palavra, porém, nos revela um sentido muito bonito que podemos relacionar com a nossa reflexão. Companheiro tem a ver com pão, comer juntos o pão. Companheiro é aquele que come do nosso pão, ou seja, vive a mesma vida. Companheiro é que participa do dia-a-dia, quem toma parte da existência do outro. O pão é o “miolo” da palavra “companheiro”. É o símbolo da vida partilhada. Sinal de uma relação de doações, presença e partilha mútua. O pão é também o miolo das relações humanas, das relações da existência, sem o qual a vida se esgota (pão, comida, subsistência etc). a presença do outro na nossa vida também é pão, sustento, saciedade.

A companhia e o pão

Certa vez, os discípulos pediram a Jesus: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!”. Jesus logo respondeu: “Estou com vocês há tanto tempo...” (Jô 14, 8-9). Os discípulos, em sua sede de Deus, não viram que o poço estava perto. Poderíamos dizer que, na sua “fome de Deus”, não percebiam que o pão estava diante deles. É muito difícil para nós, por exemplo, parar para perceber o ar que respiramos. Damo-nos conta disso quando nos afastamos da cidade e vamos para a roça. Lá respiramos fundo o ar puro e aprendemos a valoriza-lo. O pão quentinho do nosso café da manhã também é assim: nos alimenta diariamente sem que o percebemos e o valorizemos. Fazemos o mesmo com as pessoas, sobretudo com os mais próximos. Percebemos seu valor quando viajam, se afastam e o que é bem pior, quando morrem. A companhia dos mais próximos e o pão sofrem do descaso, da desvalorização. Mas estão sempre presentes, silenciosos, sustentando o nosso dia-a-dia. A companhia e o pão custam a ser notados, percebidos.

Onde se escondem e se encontram

No pão se esconde a companhia, a presença, a benção, o encontro. Na hora da companhia, da presença, da benção, do encontro, o pão se acha. O pão pede benção, palavra, partilha, provoca encontro. A partilha, o encontro, a benção e a companhia pedem para repousar no pão. O pão “materializa” a companhia. A companhia enche o pão de sabor. Faz seu gosto sobressair à matéria, atinge o coração, recupera as palavras, “mastiga” seu significado. O pão traz ao corpo o espírito da companhia, o sentido e o sentimento, acelera o pulso, aquece o peito. Comer juntos o mesmo pão dá alegria, fortalece a companhia, faz crescer, anima. O pão é o lugar onde se esconde e onde se revela a companhia. A companhia é presença, e esta se faz comendo o pão. Na mesa dos companheiros, haverá sempre o silencioso pão para comer. Na silenciosa companhia, haverá sempre o sustento que o pão nos oferece. A eucaristia é pão e companhia. É companheirismo do caminho, das horas tristes e sem sentido, da alegria e da partilha, da vontade e da saciedade. Pela eucaristia, o ressuscitado se coloca em definitivo como aquele que come do mesmo pão. Sua presença, sorrateira e constante, nos sustenta e aquece o nosso coração. No seu pão se esconde o companheirismo do nosso Deus, a parceria por ele jamais esquecida.

O pão nosso de cada dia

Quando Jesus se juntou com seus discípulos para cear, ele tomou o pão em suas mãos, deu graças e o partiu. Jesus assume um símbolo importante da vida humana, comum a todos os povos, do cotidiano de cada pessoa. Quem se nega a partilhar um pão? Quem nega a receber um pedaço de pão? Seria um pão partilhado uma atitude espiritual? Seria espiritual o pão quentinho preparado pelas nossas mães para o café da manhã? É espiritual o pão que a gente joga fora e o pedaço de pão que o mendigo encontra na sacola do lixo? O pão é símbolo forte. Fala ao nosso ser. Nutre o nosso corpo, nosso coração, nosso espírito. O pão é, por si só, um sinal muito forte. A primeira reação de uma pessoa diante de um pão é parti-lo. Parece até que ele nos pede: “me parta”. Se houver alguém por perto, o gesto de partir se associa logo ao de dar ao outro um pedaço. Aí vira partilha, porque duas ou mais pessoas comem do mesmo pão. Comer do mesmo pão, tomar juntos o alimento é outro sinal importante. Nas nossas casas, quando chega alguém na hora das refeições, sem avisar, sempre há comida. “Põe água no feijão”, as pessoas brincam acolhendo quem chega num clima bastante descontraído e fraterno. Partir o pão, partilhar o alimento é coisa do dia-a-dia da nossa vida. Gesto humano e bonito, que de tão simples e significativo foi assumido por Jesus como sinal da partilha da sua própria vida.

Jesus assume e diviniza o que é humano

São diversas as ocasiões em que Jesus se põe à mesa para comer com as pessoas, sobretudo as mais pobres, sofredoras, excluídas e mal faladas. Comer junto, no tempo de Jesus era um sinal muito importante. Coisa de intimidade familiar! E ele insistia em fazer isso com os excluídos (Mc 2,15-17; Lc 7, 33ss; 14, 1-4; 15,1-2). Outro sinal bonito que Jesus valorizava muito era o sinal da partilha do pão (Mt 15,36; Jo 21,13; Lc 22,19). O gosto de partir o pão na ceia, sinal de seu corpo (isto é, da sua vida), tem um significado bonito e comprometedor. Quando Jesus faz isso, ele assume também o gesto humano e cotidiano de partilhar o pão, dando a ele um sentido a mais: o sentido da sua vida rasgada, partida, compartilhada, entregue entre os irmãos.

O pão nosso dos ritos

Na apresentação das oferendas, quem preside a celebração eleva o pão, a voz e o olhar ao céu, dizendo: “Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo pão que recebemos de nossa bondade, fruto da terra e do trabalho humano, que agora vos apresentamos, e para nós se vai tornar pão da vida”. O pão é apresentado a Deus em sua ligação com a natureza (fruto da terra), em sua ligação ao ser humano (trabalho humano) e em sua ligação ao próprio Deus (“pão... que recebemos da vossa bondade”). O pão é expressão da vida humana, da vida de toda a natureza e da bondade de Deus. Tem uma ligação com a terra, com as chuvas, com o ar. A semente sepultada foi capaz de gerar vida nova, o trigo decepado, triturado, amassado e fermentado transformou-se em pão e vida para os que dele comem. É esse o sinal assumido por Jesus. Um sinal que tem uma abertura para o infinito e uma abertura para nós, para a natureza...

O pão durante a oração eucarística

Sobre o pão e o vinho, a comunidade faz o que Jesus fez: dá graças ao Pai. Confessa a Ele a sua fidelidade manifestada em Jesus, nosso irmão. Por causa de Jesus e do que ele pediu para fazer, o ministro, ordenado para isso, invoca o Espírito Santo sobre o pão, em nome da comunidade, e relembra ao Pai o que Jesus nos pediu para fazer. A “narrativa da Instituição” na missa é memorial ao Pai, que referenda nossa súplica pela santificação dos dons. O pão que já é sinal de vida é assumido pela vida divina. Nele se encontram o divino e o humano que se encontram em Jesus. Depois disso é que vem o verdadeiro ofertório: “... nós queremos a vós oferecer este pão, que alimenta e que dá vida, este vinho que nos salva e dá coragem”. É o pão que veio da natureza, o pão que o homem amassou, o pão que Jesus tomou em sua mão, dizendo: “Isto é meu corpo” e partindo-o disse: “entregue por vós”. Na oferenda da vida de Jesus, a vida do homem, a vida da criação inteira. São Paulo nos dirá que a nossa vida está escondida em Cristo (Cl 3,3). O pão elevado com vinho, em clima de ação de graças: vida de Cristo resgatada da vida de toda a humanidade, de toda a criação: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo”.

O sinal do pão e o gesto de partir

Um dos sinais mais bonitos da Eucaristia é o gesto da partilha do pão. Assim se revela o sentido mais profundo da ceia de Jesus: dar a vida como atitude possível de gerar vida nova. Dar a vida como ação de graças ao Pai, como louvor da existência, culto verdadeiro que Deus pede de nós. Partir o pão por adoração ao Pai e por carinho com os irmãos e irmãs, fazendo o que o Criador quer e o que necessitam os seres humanos. Precisamos abrir os olhos pára o partir do pão. Não para ficarmos adorando-o, pois o pão depois de partido deve ser comido. É preciso abrir os olhos para o partir do pão como gesto de entrega pelos outros. Deixar que o gesto nos fale dos irmãos e irmãs que querem um pedaço de pão, um pouco de vida...

Partir o pão

Aprofundando mais, partir o pão é mesmo um gesto muito importante. Lembra um frasco de perfume que se quebra, fazendo exalar todo o aroma e perfumando o ambiente... Lembra o romper da semente, para que o broto saia e produza frutos. Lembra-nos o grão moído para fazer a farinha, para fazer o pão, para alimentar multidões... Partir o pão faz lembrar a vida que se dá, que não se retém, que se derrama e se entrega pelos outros. Partir o pão chama a nossa atenção. É um gesto forte e simples ao mesmo tempo. Fala por si. Num mundo onde as pessoas não partilham mais, até incomoda! Torna-se assim um gesto profético: denuncia a ganância que acumula, que retém, que exclui e que, por isso, mata e ainda faz definhar a vida de quem só fica ajuntando. Mas também anuncia que a partilha gera vida, fraternidade, e faz vicejar, florescer a vida de quem se doa. Partir o pão é uma ação simbólica que exprime a solidariedade.
A fração do pão

O gesto da fração do pão, desde muito cedo, marca a celebração da Eucaristia como sinal da entrega amorosa de Jesus, sua auto-doação pela causa do Reino, pela vida plena dos homens e mulheres de todos os tempos. E não foi assim a vida de Jesus? Sempre se entregando, se doando, partilhando toda a sua vida pelos outros. Jesus não temia se entregar, se doar em favor da vida dos outros. Na cura do leproso (Mt 8,1-3), Jesus, ao toca-lo, restituiu-lhe a vida plena e o arranca da marginalização. Mas segundo as leis judaicas, ele se torna impuro por ter tocado aquele homem considerado impuro. Tais pessoas tornam impuro por ter tocado aquele homem considerado impuro. Tais pessoas eram banidas do convívio social. Jesus de coloca com os últimos, os afastados, os excluídos para lhes restituir a vida, mesmo que isso lhe custasse ser considerado igual a eles. Veja que o relato de Marcos para o mesmo episódio, Jesus vai para o deserto, o lugar onde os leprosos eram banidos (Mc 1,45). Na cruz, sinal da sua entrega maior, Jesus definitivamente assume o último lugar. É a entrega total! Não é à toa que ele se identifica com o pão que dá vida ao mundo (Jô 6,51). A vida inteira de Jesus é pão partido.

Gesto de coragem

Falta-nos coragem de deixar o gesto falar. Como fazer para que esse gesto nos comunique por si próprio. Nossas liturgias ainda estão por demais presas aos escrúpulos gerados pelo realismo eucarístico do pão intacto no ostensório. As hóstias já vêm prontinhas, limpinhas e individuais. Não há como partir. A hóstia grande do padre não se parece com pão, e os pedaços pouco dão para os ministros que servem o altar. As desculpas são muitas: “Usar pão dá muito trabalho, as hóstias são mais práticas!”, “O pão esfarela muito!”. Nós complicamos demais... Falta-nos abrir os olhos para ver que é possível deixar o símbolo falar sem perder o respeito devido aos dons santificados. Falta-nos abrir os olhos para a entrega de Jesus, sua ousadia de doar a vida e expressar isso num gesto tão cotidiano, simples, do dia-a-dia. Falta-nos perceber que, depois da encarnação do Verbo (Jô 1,14), o sagrado, no sentido cristão, não se opõe à simplicidade das coisas da vida humana.

O rito está obscurecido

É pena que o gesto da partilha do pão esteja tão esquecido e obscuro nas nossas celebrações. Muitos padres, sem saber, partem o pão na hora da “Narrativa da Instituição” (consagração), pois desconhecem a lógica de Deus! E até mesmo as nossas hóstias são pouco eloqüentes do ponto de vista simbólico... O gesto da fração do pão fica mais escondido ainda!
Na Eucaristia, o pão deve ser partido enquanto se canta a ladainha “Cordeiro de Deus” (nIGMR, 83. É o gesto da vida partida, doada, entregue em nossas mãos, para que comunguemos com ele: comunhão da vida com o Pai, com os irmãos, com a natureza. É comunhão com a vida triturada e rasgada dos pobres, da natureza agredida, do Cristo torturado e glorificado, que nos assume em tudo e nos inclui em sua oferenda de louvor... Louvor da vida que o pão expressa e realiza.
Sacramento do Ressuscitado
Depois da fração do pão, o presidente mistura um pedaço de pão no cálice com vinho. Para tal gesto, a IGMR (Introdução Geral do Missal Romano) N. 83, explica: “O sacerdote faz a fração do pão e coloca uma parte da hóstia no cálice, para significar a unidade do Corpo e do Sangue do Senhor na obra da salvação, ou seja, do Corpo vivente e glorioso de Cristo Jesus”. O sentido dessa ação simbólica aponta para isso: a Eucaristia é sacramento do Ressuscitado. Poder-se-ia pensar que a consagração dos dons, em separado reforçasse demais o aspecto sacrifical, no sentido herdado do Antigo Testamento em que o sangue das vítimas era separado da carne. O singelo gesto da mistura do pão no cálice com vinho afasta esse tipo de interpretação da Eucaristia, ou seja, entramos em comunhão com a vida gloriosa do Ressuscitado.
Sacramento da unidade

Existe também outra explicação para esse costume, que, de forma alguma, contradiz o que dissemos acima, mas reforça o sentido da comunhão. Em Roma, especialmente na festa da Páscoa, um pedaço do pão consagrado era enviado às outras comunidades, para que fosse misturado no vinho após a oração do Pai-Nosso, em sinal de comunhão de toda a Igreja. Esse gesto conhecido com fermentum tem origem atribuída da unidade. É ela que promove a comunhão de toda a Igreja com o Senhor da vida. Jesus Cristo. Esse gesto é acompanhado pela oração silenciosa do presidente: “Esta união do Corpo e do Sangue de Jesus, o Cristo e Senhor nosso, que vamos receber, nos sirva para a vida eterna”. Por causa da disposição do texto, pode ficar a impressão de que essa oração com o gesto da mistura são feitos antes da fração do pão e da aclamação do “Cordeiro”. Uma leitura mais atenta das rubricas do missal pode esclarecer o equívoco. Esse gesto da mistura e a oração vêm em seqüência ao gesto da fração e do Cordeiro. Diga-se, de passagem, que seu valor é relativo ao rito da comunhão, não substituindo o valor da fração e do Cordeiro de Deus.
Orações secretas

O presidente, em seguida, reza em silêncio uma das duas “orações secretas”, assim chamadas porque feitas em silêncio e não por serem um segredo dos padres. Ambas são de cunho individual e têm origem medieval. Essas apologias eram bastante comuns nos rituais anteriores ao Concílio. Embora sua importância e sentido sejam bastante questionados, a primeira opção (a maior) é razoavelmente melhor que a segunda. Com um pouco de liberdade por parte de quem preside, a mudança do pronome pessoal para a segunda pessoa do plural pode dar uma aparência melhor a essas orações. Fica ainda a pergunta: por que essa insistente marca penitencial na celebração da Eucaristia? A Idade Média responde...
Pensando o alcance dos nossos ritos
Existem ritos e símbolos essenciais à nossa fé. Temos que zelar por eles, aprender a desentranhar o seu sentido para os fiéis de hoje e fazer através deles a epifania (manifestação) do mistério que celebramos. São para nós fonte e sustento de espiritualidade e de vida comunitária. Outros ritos, no entanto, dizem pouco, ou quase nada ao nosso povo. São ritos acessórios que com o tempo foram-se sobrepondo aos ritos essenciais, muitas vezes ocultando-lhes os sentidos. Por exemplo: hoje á bastante comum se dar mais importância ao rito da mistura do pedaço de pão no vinho do que à fração do pão. O que pensar então dessas orações secretas? Daí seguem as explicações durante as celebrações, que, além de serem freqüentemente equivocadas, pouco respeitam a linguagem própria dos ritos e símbolos que deviam falar por si. Deixemos que eles falem!

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